Às aranhas no Gerês

Cachapim - 2005/09/28

Passam poucos minutos do meio-dia de sábado e vamos tentar almoçar rapidamente na Vila do Gerês. Contrariando algumas previsões pessimistas do INMG que falavam em chuva moderada para sábado, o céu está completamente azul. Diz o Ouriço-cacheiro que a previsão oficial se deve basear nas queixas de dores de costas da senhora da limpeza…

O plano é fazer a subida até às Minas dos Carris durante a tarde, estabelecer um acampamento para passar a noite, aproveitar a manhã de domingo para conquistar a cache e usar a tarde para regressar.

Esta cache do Pedro Cardoso despertou-nos atenção logo que foi colocada. Confesso que as aranhas nunca me foram particularmente simpáticas mas, depois do trabalho de pesquisa necessário para obter as coordenadas finais, passei a vê-las com outros olhos (6? 8?).

Agora que estamos prontos para iniciar a “expedição” temos um pequeno problema a resolver: não queremos dar muito nas vistas aos guardas do parque com as nossas mochilas e tendas. Apesar do campismo selvagem ser proibido, sentimos que não estaremos a causar qualquer tipo de problema pernoitando na zona dos Carris: não vamos deixar mais do que pegadas, não vamos tirar mais que fotografias…

Durante o percurso até à Portela do Homem não se pode parar o carro, portanto temos que ser muito rápidos. Esta é a curva da ponte do Rio Homem e início do estradão que nos vai levar até aos Carris. “Tirem as mochilas e coloquem-nas num local discreto! Ficam dois a guardá-las e os outros seguem até ao local de estacionamento na Portela, já depois do controlo”. São cerca de 600 m. Comunicamos por walkie-talkie se houver algum problema, “Ouriço, Ouriço, aqui Alferes, escuto…”. “Alferes, aqui Ouriço, os carros estão estacionados, já vamos a caminho com a Ouricinha às costas!”.

Começamos a subida do estradão que antigamente dava acesso às desactivadas minas de volfrâmio conhecidas por Minas dos Carris. Volfrâmio? Isto lembra-me a nossa “The Lost Nazi Mine”. O início do trilho está protegido por uma cancela que impede a passagem de viaturas mas encontramos alguns grupos a pé e outros em BTT. Muitos são espanhóis e correspondem aos nossos cumprimentos com mais simpatia do que os conterrâneos.

O trilho segue o curso do Rio Homem ao longo do vale. Para lá do rio, do nosso lado esquerdo, está a Encosta do Sol, com paisagens magníficas e que “(…) no inverno, com o aumento das chuvas, dá origem a diversas quedas de água. Do lado direito, mais sombrio, grandes fraguedos se elevam, com corgas de vegetação muito densa.” O piso é duro, muito irregular e pedregoso. “De vez em quando não há pedra…”, diz o Ouriço. As piscinas naturais do rio sucedem-se com águas cristalinas e geladas. Não podemos perder tempo com mergulhos, pois não?

Está na hora de parar na Fonte da Abilheira e aproveitar para beber água fresca. Já sentimos o peso da carga e ainda nem fizemos 2 km. Faltam mais de 7, sempre a subir. “Vamos lá, vamos lá!”. O trackback do GPS vai-nos mantendo a par do percurso, da hora de chegada e da hora de pôr-do-sol. Não queremos surpresas desagradáveis como montar acampamento às escuras a 1450 m de altitude no meio de nada.

Passa por nós um grupo com as BTT pela mão. “Quanto pesa uma dessas?”, pergunto eu. “Cerca de 14 kg”, responde um rapaz com um ar exausto, “Para cima é quase sempre pela mão”, acrescenta. Agora lembramo-nos do nosso companheiro Robin que prometeu ir ter connosco ao acampamento amanhã de manhã na sua BTT. Será que consegue chegar até lá acima? Prometemos esperar por ele até às 10 antes de atacar a cache.

Sempre a subir, sempre a subir. O declive mantém-se constante mas o tempo fresco ajuda. Passamos pela ribeira de Água de Pala e, algum tempo depois, pela ponte sobre a Ribeira do Cagarouço e, mais à frente, pela ponte sobre a Ribeira de Madorno. Estamos a meio do percurso. A paisagem sobre o vale é de uma beleza única mas temos que continuar.

Durante a marcha vou pensando nas coordenadas finais da cache, “E se eu me enganei nalguma pergunta?”. Olho para todos e imagino que nenhum dos meus companheiros coloque essa hipótese. Pelo menos por agora…

Atingimos finalmente o planalto mas ainda faltam umas boas centenas de metros. Vemos alguns antigos abrigos de pastores. Já faz algum tempo que não nos cruzamos com outros caminhantes. Estamos desejosos de chegar ao nosso objectivo mas uma terrível subida separa-nos do nosso objectivo e é só depois de ultrapassar esta derradeira rampa de calhaus que conseguimos finalmente avistar os edifícios arruinados das minas.

Surpresa! Julgávamos ser os únicos a pernoitar nas minas? Engano, um grupo já se encontra a montar acampamento e faz com que tenhamos que procurar outro local. Montamos rapidamente as tendas porque começa a ficar frio. Muito frio. Mil quatrocentos e cinquenta metros de altitude, convém não esquecer. Trocamos rapidamente a roupa suada por sweatshirts e polares para começar a preparar o jantar dentro duma casa semi-arruinada. Antes de o sol desaparecer aproveito para tentar visualizar a Nevosa. Lá está ela! Parece perto mas o percurso mais provável a partir do estudo da carta militar aponta para cerca de 2 km. O trilho está marcado com mariolas mas não sabemos bem o que nos espera amanhã.

Acordo várias vezes durante a noite. O corpo mantém-se quente mas os pés ficaram frios e agora não há maneira de aquecerem. Mais um par de meias de montanha… Espero que na outra tenda a minha afilhada Ouricinha esteja bem aconchegado no meio dos pais Ouriços. Irra… que faz frio cá em cima! Prometo a mim próprio que só saio da tenda quando lhe bater o sol.

“Bom dia!” A família Ouriço levanta-se cedo e obriga-me a quebrar a promessa. Saio para fora da tenda, já está sol mas o frio ainda é cortante. Brrrr… O Ouriço encarrega-se de aquecer água para um reconfortante café matinal, pena que o recipiente usado tivesse restos da massa com tomate do jantar do dia anterior. “Sabor exótico o deste café, não?” Desde que esteja quente…

“Vamos lá desmontar as tendas para preparar o ataque às aranhas!” Por volta das 10 da manhã, hora prevista de chegada do Robin e do irmão nas suas BTTs, temos o acampamento desmontado, as tendas escondidas num pequeno depósito de pedra e estamos prontos para partir. O Alferes Cacheiro vai para a zona de entrada no recinto das minas e deixa uma estranha e importante mensagem para os retardatários: “Spider Nest / N41ºXX.XXX W008ºXX.XXX / Os Cacheiros Viajantes”. Alguém subestimou a subida até aos Carris. Obviamente.

São 11 da manhã e decidimos não esperar mais. Ala que se faz tarde, o Robin que se desunhe. O percurso até à Nevosa começa na zona da pequena barragem que fornecia água ao antigo núcleo habitacional e o trilho de mariolas não é óbvio. Como tínhamos previsto ao analisar a carta, preferimos ir até às marcas de fronteira (P de um lado, E do outro) e rodear o vale antes de tentar a subida ao cume. A partir da linha de fronteira torna-se evidente a subida assinalada pelas mariolas. Vamos subir e aproveitamos para comer qualquer coisa perto do cume, antes de procurar a cache.

No final da subida, tentamos procurar o acesso ao cume rochoso, dividindo o grupo para explorar a vertente norte e a sul. O Alferes anuncia pelo walkie-talkie ter descoberto um caminho pela vertente norte. Vou ter com ele e a paisagem é-me familiar: “The summit rocks, go for the path here seen”. Bingo! Toca a retemperar forças antes da procura.

O Ouriço pai fica com a Ouricinha (e com as suas vertigens) neste último ponto. O resto do grupo ataca a subida e começa a procura. É preciso alguma entreajuda a trepar as rochas. A precisão do GPS é de 6 m. Não podemos falhar… E se eu me enganei nas respostas? Mas não! Cá está ela! Vitória! Primeiros a encontrar! O caloiro Alferes Cacheiro faz as honras da praxe e assina o logbook em nome de todos. Deixamos uma pequena aranha com uma ventosa para colar no vidro do carro. Uma nova espécie? Levamos um CD com fotografias do Pedro Cardoso. Quando abandonamos o local da cache, tentamos imaginar a Nevosa no Inverno que se aproxima…

Está feita, esta fantástica cache. Só que ainda faltam 2 km até aos Carris e mais 9 por aí abaixo. Embora que se faz tarde.

Chegamos ao Carris e vemos uns espanhóis a ler atentamente a mensagem que deixámos para o Robin. Geomuggles? Ou  geocachers? “Hei! Assim não vale!” Não, não… são geomuggles, definitivamente. Quando chegamos ao local percebemos que está escrita a tijolo uma mensagem por baixo da nossa, “Chegámos tarde. Vamos descer já. Robin”. Podem ter chegado tarde mas quem leva a BTT até aos Carris merece a nossa admiração. Como diria o Ali G., “Respect!”.

Começamos a longa descida com alguma tranquilidade mas o esforço acumulado começa a fazer-se pagar. A contagem do odómetro arrasta-se e temos que parar algumas vezes para descansar e hidratar. O piso é tão mau que o facto de ser a descer não ajuda assim tanto.
A Ribeira de Madorno assinala a metade da descida. Aproveitamos para refrescar e gozar a paisagem do vale, iluminada por um sol de meio da tarde.

Contrariamente ao dia anterior, não nos cruzamos com ninguém. A excepção é um pequeno grupo já muito próximo do final.

O Alferes acusa problemas nos pés e diz, “Acho que isto já passou um bocadinho a fronteira em que a dor suplanta o prazer”. Bem, pelo menos para gente normal pouco dada a masoquismos e expiações de pecados, penso eu enquanto me vou aguentando graças à mochila mais leve e à bengala da mãe do Cache-a-lote que, a propósito, foi essencial para pescar a cache. A bengala, não a mãe do Cache-a-lote!

Aproxima-se o fim tarde quando obtemos contacto visual com o início do estradão. Perfeito. Apesar de cansados, correu tudo conforme o planeado. Primeiros a encontrar, sem recorrer a pistas, tudo como deve ser. Valeu a pena o trabalho de casa. Valeu a pena a aventura. Estas “aranhas” vão-me ficar bem gravadas na memória e tive a sorte de ter a melhor companhia que podia desejar. A d’Os Cacheiros Viajantes”!

23 responses so far ↓

  • 1 MAntunes // Sep 28, 2005 at 13:44

    Acho que vai ser MUITO ÚTIL a alguém… 😉

    (é pena as fotos terem ido para o "vácuo"… Podem colocá-las na secção Gallery?)

  • 2 Jose Adonis // Sep 28, 2005 at 13:51

    Depois de ler este log, dá vontade de largar o trabalho, ir buscar os putos ao infantário, a cachopa ao seu local de trabalhos forçados, pegar no carro e ir por aí acima.
    Mas não pode ser. No entanto, e esta semana me sair o euromilhões (ou qq coisa parecida ;)) juro que me ponho imediatamnte ao caminho! É um bocadinho mais longe que Fátima, mas, de qualquer forma, who cares???

  • 3 portelada // Sep 28, 2005 at 14:22

    Tambem quero …..

  • 4 Cachapim // Sep 28, 2005 at 15:09

    Pois é, não sabia que o geocaching.vacuo.net era mesmo para levar à letra. Desculpem lá…

    Agora já criei um álbum na gallery com as ditas fotos (do Ouriço).

    Para quem ainda está na dúvida sobre fazer esta cache… não hesitem e aproveitem enquanto o tempo ainda está razoável e a Nevosa ainda não faz justiça ao próprio nome!

  • 5 bargao_henriques // Sep 28, 2005 at 15:18

    Que espanto!!!
    Se não estivesse a pensar visitar essa cache desde o minuto em que a vi publicada, teria ficado agora agarrado a essa ideia!
    EXCELENTE história!
    Muitos parabéns pela visita!
    O relato teve a (importantíssima) função de me fazer pensar nesta caminhada com mais respeito e consideração…

    PS: Tomei a liberdade de Administrator para corrigir os links das fotos, porque estas não apareciam. Se for necessário alterar alguma coisa, avisem.
    PH

  • 6 btrodrigues // Sep 28, 2005 at 21:20

    aiiiiiiiiiiiiii

    também querooooooooooooo

    (excelente relato!)

  • 7 clcortez // Sep 29, 2005 at 02:03

    Epa, EXCELENTE!
    Os meus parabéns pelo log e por terem sido os primeiros a ter o prazer desta aventura! Uma caminha sem par, pelo menos no nosso país, e uma cache à altura!
    Também em breve "alguém" vai fazer esse percurso, com pequenas diferenças e este relato mais-do-que-completo fez-me viajar convosco e acompanhar cada um dos vossos passos!

    Uma das melhores histórias de caçadas que já li aqui!:)

    Se já conto os dias até ao dia G ( g, de geocaching, não de Ponto G ) agora ainda fiquei mais ansioso!;)

  • 8 ricardorsilva // Sep 29, 2005 at 09:31

    Acho que a história de cima, a maneira como foi contada, ´transportou-me´ directamente para o meio da subida, para o acampamento, pelo andar às voltas de um pico com um gps na mão, para a incerteza do "será que as coordenadas estão certas?". Em três palavras:

    EXC ELEN TE!!

    Parabéns pela descoberta e pelo relato – a cache passou definitivamente para o ´to do list´!

  • 9 pcardoso // Sep 29, 2005 at 10:56

    Depois de ler este excelente relato fiquei com pena que a cache seja minha e assim já não ter piada ir procurá-la 😉

  • 10 Pascoa // Sep 29, 2005 at 11:48

    Já dei os parabéns pela vossa aventura no GC.com, mas nunca é demais voltar a fazê-lo ainda por cima depois deste magnifico relato.

    OS MEUS SICEROS PARABÉNS!!!

    Quando era possível fazer campismo selvagem, todos os anos ia para a zona da portela do homem e lembro-me, embora miúdo, de fazer o trilho, ou parte dele, até às minas.

    Quando soube desta cache automaticamente ficou na ´to do list´ embora vá tentar faze-la num dia apenas. Não sei é se as minhas pernas aguentarão mas logo se verá.

    Quem estiver a pensar lá ir que avise, pode ser que me cole.

    PS: Cachapim, penso que estás inscrito no jantar de sexta. Preciso de levar uma esfrega de mapas militares e Ozi, estás com vontade para isso? Se sim, vai «documentado» sff.

  • 11 MAntunes // Sep 29, 2005 at 15:32

    Então e essa "cola" dá para estar no próximo dia 22/10/2005, pelas 07H00, na Portela do Homem?  😉

  • 12 zoom_bee // Sep 29, 2005 at 15:49

    "Então e essa "cola" dá para estar no próximo dia 22/10/2005, pelas 07H00, na Portela do Homem?"

    então sempre ha quorum, Manel? 🙂

    Muito bem! hehehe

  • 13 Pascoa // Sep 29, 2005 at 16:18

    A cola estará provavelmente no dia 22/10/2005, pelas 06h59, na Portela do Homem.

    No entanto deixa-me falar com a minha Lurdes e ver melhor a minha agenda, antes de confirmar a minha presença.

    Já agora estamos a falar de "one day trip" ?

  • 14 MAntunes // Sep 29, 2005 at 17:16

    …sim, a não ser que queiram subir à Senhora da Pena, durante a tarde de Sábado e dormir no alto do cabeço da Fenda da Calcedónia, na noite de Sábado para Domingo…

  • 15 bargao_henriques // Sep 29, 2005 at 17:24

    Ó Maneli, na querias antes d´zer "23/10/2005, pelas 07H00"?
    Cá p´ra mim parece-me qu´éra…

  • 16 MAntunes // Sep 29, 2005 at 17:37

    Sim, 23/10/2005, Domingo… é a ansiedade… já queria antecipar a ida em 24 horas…. ou então queria dar uma seca de 24 horas a alguém….

  • 17 2 Cotas // Sep 29, 2005 at 18:17

    Vocês andam a poupar na medicação, não andam?
    Quantos Km? Dormir ao relento? Minhas ricas caches de cidade!

    Tem a certeza de que não há um caminhito a 50 metros depois do cume?

  • 18 Pascoa // Sep 29, 2005 at 18:49

    E não será melhor no dia 22 ???

    Pelo menos domingo passava o dia todo estendido no sofá a descansar e a ver TV, aka vida sedentária.

    Sexta-feira fala-se melhor durante a degustação.

  • 19 clcortez // Sep 29, 2005 at 20:58

    O Manel é que tá a coordenar isso.
    Manel, orienta bem isso!:)

    2cotas, são mtos kms e é pa dormir ao relento. E não há caminho a 50m depois do cume!

    Pascoa, a malta vem de Lisboa e para estar lá às 7h da manhã de sábado…vai lá vai!!:)

  • 20 clcortez // Sep 29, 2005 at 21:00

    Quote:
    Depois de ler este excelente relato fiquei com pena que a cache seja minha e assim já não ter piada ir procurá-la 😉

    PCardoso, podes vir na mesma! Era um prazer, pá!:)

  • 21 lamas // Sep 29, 2005 at 22:51

    Já só falta convencer 66,6 % dos Lamas…

  • 22 pcardoso // Sep 30, 2005 at 11:14

    Cláudio, obrigado pelo convite mas tou a 2500kms "as the crow flies". Vou tentar lá ir por volta do Natal ou ano novo, com sorte haverá neve e se assim fôr é certo e sabido que acampo mesmo lá no topo 😉

  • 23 clcortez // Oct 1, 2005 at 03:37

    É pena! Mas olha, essa ideia de acampar lá no meio da neve agrada bastante! Sem me querer colar, se o fizeres pelo menos gostava de ir.

    Malta, tão a ver como é? Tanta coisa com uma caminhada de fim de semana e há quem acampe lá em pleno inverno!
    Afinal ainda há homens como antigamente! Eheheh…;)

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