É madrugada, junto a um dos mais afluentes hotéis de Lisboa – o Meridien – um personagem queda-se pacatamente debruçado sobre uma caixa da EDP, escrevinha. De repetente passa um carro, cinzento-prateado, de potente cilindrada, o motor roncando, houve-se um estrondo. Um tiro? O fulano vira-se e – não! – descobre que acaba de levar com um… ovo em cheio no casaco!
Pois é meus amigos, a «máfia» controla o Parque Eduardo VII, à noite não há pela evidência movimento que lhes escape. Calemos tudo o que a musa antiga canta! Silvas? Penhascos? Paisagens deslumbrantes? Nã! O geocaching tem muito, muito mais emoção para nos dar!
De facto, estávamos mesmo no centro de Lisboa, e eram as 02:00 da manhã de uma terça-feira. O fulano era eu próprio a logar uma cache recentemente colocada e o carro… bem o carro era uma corja qualquer de mânfios que tratou de me «avisar» que não era bem-vindo….
A história toda – e perdoem se, a quente, me alongo nos detalhes – conta-se assim: depois de uma primeira tentativa frustrada – por falta de argúcia – em apanhar a micro inicial da cache em causa, troquei ontem à noite uns tantos e-mails com o autor, que teve a infinita bondade de se deslocar ao local e de me confirmar que estava mesmo lá, pondo-me na pista certa. Entendi resolver o problema na hora (00:30) – «não deixes para amanhã a cache que podes fazer hoje… » – e regressei imediatamente ao local. Veio-se a ver micro afinal era mega simples de apanhar; metida a coordenada final no GPS atravessei o parque a toda a mecha rumo à final; topei logo onde estaria escondida. Eis senão quando – arrancado à distracção momentânea – me dou conta de que – para não variar – estão dois carros estacionados ali ao lado, um dos quais tem gente dentro. Na impossibilidade de reclamar de imediato o tupperware, vou dar uma volta, a queimar tempo…
Subo à via lateral do parque onde, junto a uns autocarros estacionados – que de resto também ali abundam de dia – me detenho uns minutos a pensar na melhor linha de acção; sou entrementes abordado por um dos prostitutos que visivelmente por ali cirandeiam, se aproxima e começa por me pedir um cigarro; já ia ele a apalpar terreno e a passar à fase da «solicitação» quando decido que não preciso de passar por aquilo, dou meia volta e regresso ao parque. Sempre nas imediações da estufa-fria.
Como os tipos do carro continuem de pedra e cal, dirijo-me ao largo, onde, cosido com as árvores, fico um pedaço a aguardar a ver se havia novidades e se os mugglers se punham a andar.
A noite está serena, a passarada chilreia e, aqui e ali, perpassa momentânea agitação, ecoando o grasnar entre as aves que habitam o lago na vizinhança.
O tempo entretanto corre, 15, 30, 45 minutos, e eu por ali. Da mochila saco do pequeno binóculo que sempre me acompanha. Na estrada, lá em cima, topam-se as pernas de dois vultos virados para o parque. Vai mais uma volta de circunstância e – teimoso – torno de novo a espiar, sempre ao longe, se os carros já se puseram a andar, mas não, nada…. Bem: quase nada, na estrada os vultos entretanto desapareceram.
Busco conforto num banco, não se vê vivalma.
De repente… barulho. Pelo binóculo topo três adolescentes a saltar a vedação do parque infantil, dai a nada lançam-se a fazer «slide»…
«OK! uma cena de vandalismo nocturno.»
Vindas do lado do Marquês, há novidades: à distância, caminhando, surge um tipo de fato de treino. Quando está quase a passar por mim cruzo o parque para o outro lado, em direcção e de volta ao pavilhão Carlos Lopes. Coincidência ou não, mal me afasto o tipo pára e volta para trás. Olha na minha direcção. Não me parece anormal, aquela hora não havia mais ninguém por ali.
Caminho em direcção ao meu carro, pelo cimo do anfiteatro. Decidido já a vir-me embora, noto que, no parque de estacionamento do Pav. Carlos Lopes, lá em baixo, está um carro parado, com um tipo dentro novamente a olhar insistentemente na minha direcção. «OK, rico serviço, vim meter-me num antro de engate gay. Irra!»
Próximo do Corte Inglês, estou já na viatura para me vir embora quando tenho um último rebate. «Bem! Que diabo, já agora ainda faço mais uma tentativa!» Nesta fase ainda estava convencido que o «negócio» era de engates e encontros fortuitos; é um privilégio: a obstinação dos tolos.
Vai daí, contorno o parque e estaciono do outro lado, na rua perto da entrada do Ritz, onde há um Liceu, não me ocorre agora o respectivo nome mas quem conhece minimamente Lisboa e a zona sabe do que falo. Dois polícias estão ali na conversa, 50 metros mais adiante «meninas» balouçam o bedum e a pernoca; muito negras; muito celulíticas; muito patéticas…
De novo a pé, contorno o Ritz, de volta ao Eduardo. Guess what? Os tais carros continuam lá… – «Raios, sacana de felatio demorado!»
Reparo no entanto que o carro está, neste ângulo, semi-oculto por vegetação. Ora bem, quem não arrisca, não petisca! Aproximo-me, encoberto, do local promissor e – zás – num ápice saco da cache e meto-a no bolso do casaco – afinal, para minha sorte, estava do lado de «cá».
Subo por ali acima no intuito de fazer o log no carro, mas acabo por parar a meio caminho, numa zona bem iluminada e discreta, na lateral do Meridien, em cima de uma caixa eléctrica da EDP. Estava eu a escrevinhar, quando sou surpreendido pelo carro passante de onde me atiram, com energia… um ovo!
«Got the message, sim senhora! É melhor vir cá pôr isto amanhã, está visto.» Arrumo a tralha e começo a subir a rua quando vejo um «Boris» (OK, não posso jurar que o fulano era russo, mas que tinha um ar positivamente eslavo tinha) a descer na minha direcção, vinha ver o que eu estaria a fazer…; voltas para aqui, esquinas para ali, e o camelo a fingir-se abstraído, sempre no meu encalço. Mal me viu começar a caminhar voltou para trás, ia para esquerda, mas virou para a direita quando virei para direita; ia-se embora, mas depois deu a volta e ainda me apanhou pela frente quando me afastava…
Conclusões, a quente: o Parque Eduardo VII à noite continua tão mau como se diz por aí (blame me pela descrença nos Média, mas também a culpa é deles: com tanto exagero, a melhor política continua mesmo ser a de não acreditar em metade do que se ouve e diz para além daquilo que pelos próprios meios se testemunha e vê); a julgar pela amostra, a fatiota dilecta dos «chulos» e ou – quem sabe ? -«passadores» são os fatos de treino, que, em momentos de necessidade, certamente melhor libertam o corpo para aplicar uns valentes socos; todos os movimentos «anormais» no parque são controlados; os tipos apercebidos como «mirones» ou de qualquer modo «intrusos» são – «first stage»; não vamos especular em que consistirá o «second stage» – «avisados» para se porem a andar com o arremesso de «ovos».
Depois de recentemente ter passado por «larápio», foi agora a vez de me ver na pele do «bufo». Sim senhora! Definitivamente, começo a gostar cada vez mais disto! Habituam-me mal, o difícil vai ser reconciliar-me com a letargia do tupperware mono, plantado no meio da mata, meses a fio à espera, sem resguardo.
O maior encanto das caches, o sal e a pimenta, meus amigos, está visto, não reside nos tojos; está na ameaça velada das armas brancas! Quem experimentou o desafio das segundas jamais será capaz de voltar a tolerar os primeiros!
Se não acreditam, experimentem!
8 responses so far ↓
1 Alcas // Dec 6, 2005 at 08:54
Muito à frente, uma incursão no park at night para um FTF. E bela história, parece um excerto cinematográfico, parece que o pior mesmo vai ser a limpeza do casaco. Parabens pela coragem.
2 2 Cotas // Dec 6, 2005 at 12:03
Ouve lá…
Eu acredito, podes ter a certeza que não vou experimentar!
3 ricardorsilva // Dec 6, 2005 at 12:25
… contar numa noite de Inverno, à lareira, com uns amigos, um chouricinho na brasa (evitem a piada fácil…) e uma garrafinha de tinto como deve ser. Claro que não será fácil explicar a parte de "eu estava no Parque Eduardo VII às 2 da manhã, à procura de tupperwares", mas…
Nós às vezes temos tendência a esquecer-mo-nos disso, mas muitos dos nossos actos quando estamos à procura de caches (nomeadamente urbanas) devem parecer altamente estranhas a quem esteja de fora. Nós olhamos à volta sub-repticiamente, baixamo-nos e ´apalpamos´ debaixo de bancos, dentro de paredes, em troncos de árvore, procuramos agir "como quem não quer a coisa" enquanto andamos às voltas do mesmo sítio durante meia-hora, olhamos insistentemente para um telemóvel esquisito que temos na mão… Convenhamos, é muito estranho.
Abundam os casos (nomeadamente nos EUA, mas também já tivémos cá) de geocachers que já foram fazer uma visitinha à esquadra de um aeroporto, escoltados por senhores fardados no "táxi azul", interrogados por senhores com distintivos… – nestes casos, bom senso, stashnotes e artigos de jornal com referência ao geocaching devem ser suficientes para convencer os nossos interlocutores de que somos gente de bem, com um hobbie ´esquisito´.
Mas, realmente, em locais com uma frequência, como é que eu devo dizer, ´interessante´ a determinadas horas, podemos ser interpretados como cidadãos indesejáveis para esses ´traunsentes´. Desde simples passantes curiosos (deve ter sido a categoria em que o HDV foi considerado), a polícias ou a concorrentes em que mais vale partir já uma perninha, podemos eventualmente ser considerados em qualquer uma destas categorias.
Mais uma vez a solução passará sobretudo por bom senso (o Parque Eduardo VII é inofensivo a horas decentes). Em caso de uma abordagem mais afoita, eu diria (e se calhar contra os meus hábitos falo) que seria aconselhável não ir sózinho (apesar de tudo, 2 pessoas são mais intimidantes e fazem muito mais barulho a gritar "Socorro" do que apenas 1).
4 SUp3rFM // Dec 6, 2005 at 13:03
Bom, não pensámos que o FTF desse numa história tão empolgante. 😉
Como o Hugo referiu, falámos ontem por volta das 23h00, sobre a eventualidade da cache inicial não estar no sítio. Ora deixo o recanto do meu lar e vou verificar o local e cache. Estava lá, pois! Depois de confirmar com o Hugo a sua existência, lá foi ele à sua procura… Como se vê, deu com ela e muito mais.
O nosso objectivo ao criar esta cache é dar a conhecer o Parque Eduardo VII, nomeadamente dois pontos que passam "quase" despercebidos para a grande maioria. Ainda no Domingo, levei os pequenos para brincarem no parque infantil que ali há (com muito boas condições, diga-se!) e o local é mais do que seguro.
À noite… bom à noite, a coisa é capaz de se tornar mais complicada. Cabe ao bom senso de cada um decidir-se por uma visita nocturna ou não. Digamos que o ambiente é parecido com a da Mission Impossible, por exemplo. 😉
A todos, e especialmente a ti, Diamantino, a cache espera-vos!
As próximas terão prémios FTF, prometemos.
Hugo e Ana
(aka SUp3rFM & Cruella)
5 Jose Adonis // Dec 6, 2005 at 17:08
Confirmo a info acerca da Mission Impossible à noite. Precisei de várias tentativas (ao que consta, parte da população do 7º Eduardo transferiu-se para uma zona mais eudita [;)]) até conseguir fintar os "residentes" nocturnos.
PS – E também estive quase a ir dentro quando um simpático Sr. de azul de serviço ao local se convenceu de que eu não estava "bem", quando me topou durante 3 quartos de hora nas imediações da MAC a horas impróprias para tal…
6 danieloliveira // Dec 7, 2005 at 09:02
…é por estas e por outras que o gang da hora do almoço adiou esta para um dia solarengo e com escolta 🙂
7 2 Cotas // Dec 7, 2005 at 11:39
Mas que mal é que eu fiz?
8 HDV // Dec 7, 2005 at 22:05
Hora de almoço? Dia de sol?
Isso é subestimar e subaproveitar o potencial de uma cache que, feita na hora certa, é absolutamente original no desafio e recompensante como – tanto quanto sei – nenhuma outra em Portugal.
Leave a Comment