Precisa-se mãozinha!

2 Cotas - 2006/09/29

Esta crónica começou por ter outro título, mas achei que era abuso. Ficou assim.
Mas a historia por atrás do título é fácil de contar. (Espero que os mais sensíveis não refilem. Pelo menos já.)

Tudo começou no ano passado e é bom de resumir. Deu barraca.
As histórias que vieram depois, a intolerável falha e a revolta na contagem, levaram a nova tentativa.
Comecemos pelo princípio. Saímos de Sines tarde e a más horas com o piquenique na bagageira. Rumo: sul.
A costa portuguesa entre Sines e Vila do Bispo é monótona. De 50 em 50 metros há uma entrada á direita que leva, passados não menos de 5 km, á costa. A maioria das vezes ao alto de um promontório com acesso condicionado á praia.
Acesso condicionado não por questões de protecção ambiental, mas mesmo porque se arriscares partes os corn(..) lá em baixo. As outras são prainhas onde as marias exigem chapinhar durante algum tempo. 200 km de costa alta e praias baixas.
Almoçarmos a meio. À borda da estrada, umas mesas no meio do pinhal, cruzamento mais acima. E variedades. Uns artolas vinham assapar na curva e os outros artolas estavam parados no cruzamento. Ficaram todos parados, a estrada cheia de plásticos, os bombeiros perdidos de gozo e os tipos dos reboques a esfregar as mãos de contentes. Nós na primeira fila da plateia a mordiscarmos umas sandochas e a bebericar umas cervejolas. Fomos andando.

Chegados perto do local, começa a boa da setinha a virar-se de lado e a dizer 4 km. As marias a mandar bitates foi o passo seguinte. Já me parece aquela velha história: quem vê uma, vê todas. A porcaria das estradas são todas iguais. Estradas? Caminhos mal amanhados. Da primeira vez, o ano passado, conseguimos dar com ele á primeira, portanto agora era mais fácil. Era. Enganei-me 3 vezes. E em todas as vezes, todas, todos juravam a pés juntos que tinha sido naquele lugar que tínhamos estacionado em 2005. Quer dizer, agora foi. 4 km em linha recta, dão ai uns 10  por montes e vales. Ida e volta, 3 de uma assentada e despachei mais de 60 km de TT. Eu? O Mondeo. Invariavelmente chegávamos a 500, 600 metros do ponto zero, mas no outro monte, com umas arribas e umas falésias á maneira pelo meio.

Da última vez éramos 3, agora 4. A nova adição não podia em si de contente. Era dele que precisávamos. Favas contadas. Ainda por cima, depois de ter mamado as cervejitas, ferrou-se a dormir e mandou acordar só quando fosse preciso.

Lá conseguimos chegar ao estacionamento certo. Não me perguntem qual é, porque se dei com ele rapidamente da primeira vez, demorei algumas 4 horas de segunda, se vos der agora alguma dica contem pelo menos com 2 dias. Carro fechado, mochila ás costas, bonés na cabeça e lá fomos. GPS desligado porque para gozar com a situação já chegávamos nós.

Seguimos pelo montezito abaixo, com a música de fundo do outro que perguntava, assim tipo pica miolos e de 30 em 30 segundos: “ainda falta muito?”. Deixa! Já te lixo!

Acabou o montito. Começou a descida em direcção á praia. Cada passo era dado em direcção ao sítio mais improvável: á falésia. Por vezes lá se conseguia ver o fundo, mas era uma visão aterradora. Quer dizer, nada aterradora. Só se via o mar! Nessa altura já a nossa especialista em perfuração geológica estava a observar o terreno com toda a atenção. Quando achou o local ideal, arreia de lá com um berro: EU FICO AQUI! O novato, calado, ainda pensou tenuemente em dizer qualquer coisa. Provavelmente um: EU TAMBEM, mas atendendo ao historial das bocas anteriores, conteve-se.

Seguimos, depois de deixarmos a outra firmemente implantada. Duas horas depois, quando voltamos, ainda estava no mesmo local, na mesma posição e orientada na mesma direcção. Diria que dormia, não fosse o som dos dentes.

Mais uns metros e o que antes era mera falta de caminho, tornou-se realidade. Assim a olho era perto. 100 Metros, mais milímetro menos milímetro. Só falo em milímetros para perceberem a largura do caminho. Mas era possível pensar positivamente: “os pescadores passam aqui todos os dias”. Por norma e porque é necessário equilíbrio na vida, ocorre logo o pensamento complementar: “E volta e meia há um que cai lá em baixo”.

Outros 20 metros fáceis, daqueles em que tens opção: ou cais para um lado ou para o outro, e chegamos á primeira dificuldade.
A partir de agora é que a coisa torna orgânica. Sentimos a necessidade segurar umas das mais importantes partes da anatomia. Ou pelo menos metade! Calmamente, muito calmamente, pé ante pé, cravando diligentemente as unhinhas nas pedras antes sequer de pensar em mover o pezinho, avançamos.

Passamos o local da fuga do queijo. Primeira vitória, enésimo problema. Se antes não havia caminho, agora essa falta torna-se uma realidade. O outro já só perguntava se ainda faltava muito. 50 Metros. Ainda estávamos na zona azul. Azul porque era cor das ventas do pessoal cada vez que olhava para um lado ou para o outro.

Chegamos á ultima base. Podíamos por as mochilas no chão que a probabilidade delas rebolarem não era total.

Agora era só amarinhar, com tracção a 4 patas e não pensando na descida. Naquelas condições era de certeza a parte mais fácil. Difícil, difícil mesmo só conseguir parar.
Bem, mas ainda estávamos a subir. Infelizmente a primeira subida foi mesmo em direcção á fenda da rocha. 10, 20 cm de largura e 500 metros de altura a pique em direcção ao mar. Não posso na realidade afirmar que era em direcção ao mar. Vi tudo negro sem perceber se eram problemas de visão ou a cor da falésia. Nessa altura pensei seriamente em usar a mão ainda livre para segurar o resto, mas reconsiderei.

Voltamos para baixo e ligamos o GPS para obter o azimute correcto. Aproveitamos para mudar de mão e massajar o pulso dormente.

Agora era só subir em direcção á posição certa e procurar um pouco. Muito pouco mesmo. Alias, se bem me recordo, nada mesmo. Procurar qualquer coisa de olhos fechados, sob forte influência de vertigens, com uma mão ocupada e a outra a segurar-se fortemente, e os resultados da procura são obrigatoriamente limitados. Mas tentou-se.
Só faltava mesmo era espreitar por cima do muro. Do paredão. Da crista final. Fácil, bastava levantar um pouco a cabeça. Claro. A ventania que subia da superfície do mar e se escapava pela aresta era tal que, entre utilizar a outra mão para ajudar na tarefa vital da sobrevivência da espécie, abrir os olhos, debruçar e espreitar, ficavam a faltar braços. Aproveitamos a boleia do vento e deixamo-nos empurrar dali abaixo. Se da outra vez tínhamos demorado pouco a regressar agora foi mesmo olímpico

Antes de um ai, já estávamos a escalar o monte do outro lado e a pirar-nos dali para fora. Recolher o 4º elemento que ainda continuava em intensa comunhão consigo próprio encomendando a alma aos céus, foi obra de um: “Queres vir?”

Se já tinha percebido da outra vez, o que me levou a repetir? Como não prevejo a perda de parte importante do meu equipamento ou que me cresça outra mão, acho que vocês são malucos e não ponho lá os pés outra vez. Se lá estava lá ficou. Há mais.

7 responses so far ↓

  • 1 btrodrigues // Sep 29, 2006 at 17:54

    Sem saber do que o Diamantino estava a falar, fui lendo e recordando algo que já conhecia vagamente e que cada vez se aproximava mais do que eu pensava que era. Já no fim (e graças a um update de há uns tempos atrás sobre o estado da coisa), compreendi finalmente que é ela, que estive lá e que foi a melhor cache que fiz até hoje. Foi a minha cache número 100.

    E depois, como é habitual, um relato 5 estrelas… É disto que eu gosto no geocaching. São as pessoas que, com as suas histórias, nos fazem também viajar e participar na caçada.

  • 2 FGV // Sep 29, 2006 at 18:06

    grande relato, eheheh

  • 3 ricardorsilva // Sep 29, 2006 at 18:20

    Elev ador!

    Lynx Pardinus

    P.S- Confesso que essa está na minha to do list, mas só quando o upgrade do Lynx Pardinus ficar pronto. Aquele que resolve o problema V (ertigens).

  • 4 Jose Adonis // Sep 30, 2006 at 20:32

    Tenho de deixar de vir a este fórum. É um risco permanente.

    Vai que não vai, lá está mais uma cache em observação e na lista ToDo.

    Perigosa, esta cena….

  • 5 clcortez // Sep 30, 2006 at 21:49

    Mais um grande relato de uma grande caçada a uma grande cache! Parabéns!

    Cota, já pensaste em criar um blog para relatar as vossas histórias das caçadas? Acho que era mais que merecido, e ia ser bastante visitado.

    Esta cache foi uma das melhores que já fiz e o owner dispensa apresentações. Uma cache que nos leva…enfim, vocês já sabem…a locais onde nunca iríamos se não fosse o geocaching. Mas esta..upa upa!! Que sítio!:)

    Cláudio Cortez

  • 6 2 Cotas // Oct 2, 2006 at 13:49

    Mas queria falar sobre a sugestão do Claudio.

    Independentemente de poder colocar o texto noutros locais, coisa que já fiz,

    http://www.dsazevedo.homeip.net/Htm/Textos/Geo%20Whatever/2006/02080611.htm

    tenho algumas considerações. Primeiro, é a de que se vamos começar a colocar fora daqui, deste espaço, os nossos textos, um dia destes acabamos com isto despido de funcionalidades e objectivos.
    Isto é mesmo o “ponto de encontro” dos geocachers nacionais. Já o tal fórum de língua portuguesa do Geo.com contribui para afastar pessoas e/ou contribuições daqui, se vamos multiplicar isto não se queixem se a tendência for para ir desaparecendo.

    Depois, e em ultima análise, este espaço acaba por ser uma espécie de blog. Pomos os textos e quem quiser comenta, rebate, contradiz, disparata, contribui, etc. Claro que haverá alguns textos que estariam melhor fora daqui, mesmo alguns meus, mas é um risco que todos corremos. Isto é um sítio “publico” e todos nós sabemos o que pode acontecer.

    Por isso, mesmo não precisando, (discutível esta), deste espaço para por os meus textos, é a minha contribuição para a comunidade, (seguem-se as vénias…;).

  • 7 Cachapim // Oct 9, 2006 at 22:09

    Ponto 1: Excelente relato! Ainda aguça mais a minha curiosidade por mais esta cache mítica. Ou mística?

    Ponto 2: Concordo a 100% com a perspectiva avançada pelo "2 Cotas", isto é mesmo o ponto de encontro dos geocachers nacionais e que melhor sítio para colocar as nossas "impressões de caçada"? Pode não ser muito fácil "postar" o texto mais as imagens mas a gente desenrasca-se.

    Ponto 3: Ficam aqui as minhas vénias perante a prosa e o humor do Diamantino "2 Cotas" que é sempre um prazer de ler.      Um grande obrigado, amigo!

    Ponto 4: Escrevam, escrevam, escrevam. Muitas vezes a página da cache não nos dá uma pálida ideia do que pode ser a aventura da sua procura. E as experiências pessoais são valiosas. O que eu tenho aprendido e imaginado só de ler os vossos relatos…

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