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Este log ganhou o concurso de melhores logs de Outubro de 2011.
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#1000
É quase inevitável, ao chegarmos a esta pequena marca, olharmos em retrospectiva para muitos dos momentos de descobertas que ficaram para trás. Para nós, que crescemos na sombra de Indiana Jones, com a expectativa que a vida fosse uma constante caça ao tesouro, acabando o bem quase sempre por vencer, num enredo infinito de aventuras, o geocaching é muito mais do que um jogo.
Depois de, no ano passado, termos vivido uma experiência fantástica com La Ruta de los Túneles, voltámos ao Douro. Na altura ficámos com alguma pena por não termos conseguido encontrar tempo para nos lançarmos nesta odisseia da Linha do Douro, pela inexistência de um local livre para pernoitar que não tivesse a companhia imediata das estrelas. Naquele momento não o poderíamos compreender, mas a verdade é que o tempo tem uma forma muito peculiar de nos permitir estas descobertas, como se já soubesse que, acumulando vontades e outros saberes, haveríamos de voltar com tantas expectativas para mais uma experiência extraordinária. Somos como crianças impacientes à espera de viver toda uma vida num só dia e, muitas vezes, não compreendemos todos os pormenores e outras vicissitudes. A vida porém, com as suas intermitências, parece ter um plano para nos levar, quase sempre, a bom Porto. O outro tempo, o da meteorologia, também quis associar-se para nosso deleite e possibilitou-nos um dia de sol, trazendo uma luminosidade que raiava a perfeição das encostas trabalhadas desta maravilha do mundo.
Levantámo-nos bem cedinho e fomos do Vouga ao Douro em menos que o sono se lembrasse de nos arreliar com o pouco tempo que lhe dedicámos. Eram cerca de 9 horas quando chegámos à Estação do Pocinho. Apenas alguns cães vagueavam por lá e ainda suspeitámos que algum fosse o famoso Geocão. Contudo, a indiferença que nos votaram fez adivinhar que não.
Depois de assegurarmos que tínhamos tudo, avançámos pela Estação e cruzámos linhas de expectativa. Sentimos a presença de alguns olhares curiosos, que se afastaram na monotonia de um dia como os restantes.
Fomos ao encontro da antiga locomotiva e acertámos as coordenadas para a próxima paragem, iniciando então a viagem pela antiga Linha, ociosa pela vontade humana e deixada ao marasmo do tempo. Para trás ficou o rebuliço dos dias, que este era dedicado ao nosso prazer.
Alternávamos a caminhada entre as traves e pequenos percursos de terra batida, desviando-nos das feições imperfeitas da gravilha que ameaçava as plantas dos pés e os planos da mente.
O Douro ia acompanhando a nossa odisseia, guiando-nos pela Linha e unindo o tempo e o espaço, fazendo com que cada passada não fosse apenas um metro ou um segundo, mas uma entidade própria de contemplação.
As encostas, essas, podem ser uma metáfora do mundo. O bem e o mal divide-se entre aquilo que o homem soube conquistar e o resto ficou para a Natureza indómita, com o rio a servir o arbítrio do destino. As regularidades das vinhas e das oliveiras entrelaçam-se com as desproporções naturais. Diga, quem souber, onde residirá mais beleza nisto tudo.
Entre o lanche e o almoço, outros dados foram recolhidos e as pernas adequaram-se ao cansaço. As pontes e os túneis desenhavam diferenças e outros pontos de interesse na paisagem.
Chegámos então perto da localização final e percebemos a dimensão do desafio que teríamos pela frente. Apesar das dúvidas, as expectativas eram muitas e, com cuidados redobrados, atirámos os receios ao rio e embrenhámo-nos na aventura. Os primeiros metros revelaram algumas dificuldades, que a Valente sentiu literalmente na pele. A corda que trazíamos, apesar de não ser fundamental, revelou então a sua importância e lá fomos subindo. Mais acima, os picos e os arrepios ainda tentaram demover-nos da investida mas, com a tenacidade em alta, furámos e fizemos vingar a nossa vontade, chegando por fim a um lugar com uma vista fantástica. Percebemos então que talvez existisse uma outra forma de lá chegar, mas por certo tudo neste “reino maravilhoso” tem a sua razão de ser.
Depois do desafio, prosseguimos a nossa aventura e Barca d’Alva assomou-se no horizonte como se fosse um pequeno oásis entre o nosso cansaço. As estações e apeadeiros subtraíram-se à contagem das traves e enfim chegámos ao fim da aventura, indo encontrar o vulto de Agostinho da Silva a contemplar o rio.
Seguiu-se um assento merecido e um gelado mais do que justo, enquanto esperávamos pelos geocachers que tinham ido viver La Ruta de los Túneles. Muitas histórias se multiplicaram então em boa companhia e aqui deixamos o nosso obrigado ao Miguel Braga pela boleia de volta ao Pocinho.
Com o mapa do geocaching nacional a ficar cada vez mais carregado de pontos, onde as descobertas parecem fazer-se ao paladar dos números, sabe mesmo bem planear uma cache com uma semana de antecedência, ler com atenção o listing e os registos, preparar a logística, acordar cedo, fazer 2 horas de viagem, caminhar cerca de 28 km em 9 horas, reencontrar muitos amigos no final e voltar para casa com um sorriso do tamanho do Douro.
Aos owners, o nosso sincero bem-haja pela partilha!
3 responses so far ↓
1 Zgarbur // Dec 2, 2011 at 01:12
Nunca nao meti em duvida a força de vontade de uma professora de matematica , mas 28 Km passou todas as fronteiras ^^ parabens !!! )))
2 MAntunes // Dec 2, 2011 at 09:01
Fez justiça ao nome! 🙂
Parabéns e muito obrigado pelo log extremamente agradável de ler …e reler. 😀
3 valente cruz // Dec 2, 2011 at 17:16
O arranjo ficou excelente 🙂
Foi bom revisitar esta odisseia.
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